segunda-feira, maio 31, 2010

Desconcentração

Invulgarmente, soube logo que não estava no sítio correcto. Ao primeiro piscar de olhos. Sabia que ali não era mais que um ponto de viragem do desaguar de outros rios. Voltei a cabeça em direcção da rua. As luzes continuavam a perturbar-me. O movimento contínuo de carros deixou-me alheada por alguns momentos. Não distinguia as palavras dos outros, o porquê das perguntas, a necessidade das respostas, o compromisso dos gestos. Concentrei-me no azul. No azul que não era turquesa, que não era petróleo, que não era escuro. No azul da minha camisa, no tecido enrugado, no toque. As vozes insistiam, agora com eco, um pedido de atenção. Sinto a cabeça latejar…

segunda-feira, maio 24, 2010

Equidistância

Entretelo-me entre uma página do livro novo e a preparação do dia seguinte.
Desejo que chova, que o ar quente deixe de me contornar, que tu chegues, que deixes de ser imperturbável.
Saíste enquanto eu dormitava ou nunca estiveste cá.
Vieste dissolver indecisões ou nunca me confrontaste.
Conseguiste barricar negações ou nunca me soubeste.
Entraste de sopetão ou nunca te conheci.
Fecho os olhos.
Emociono-me com a partida.
Anseio pelo sono que sempre demora a chegar.

terça-feira, maio 18, 2010

Incongruências

Debulha-se em lágrimas.
Sorri.
Solta palavras que não ouve.
Dobra o pedaço de papel que lhe surgiu na mão. Desdobra.
Sente que grita. Ninguém ouve.
Sabe-se prostrada. Ninguém vê.
Borbulha-lhe o sangue de impaciência.
Acena que sim. Acha que não.
Baralha o encadeamento.
Falta-lhe chão.
Desconversa. Desconcerta.
Franze o sobrolho.
Parte.
Dispersa-se. Desfaz-se.

quarta-feira, maio 12, 2010

Inflexão

Do alto dos meus saltos altos, espreito-te pelo canto do olho.
Aprecio cada gesto. Admiro a linha de luz que faz o contorno do teu perfil e as cores que sublinham o teu tom de pele.
Descontextualizo-te. Desdramatizo-te. Desligo as intermitências.
Aprovo o arrepio que se aproxima. Arrebanho as inferências que fluem. Apago as reticências.
Imagino-te a seguir-me com o olhar.
Nada me impede. Nada me limita. Não encontro fronteiras.
Mesmo assim, apresso-me e aglomero os excertos da normalidade.
Baixo o olhar.
Suspiro brevemente.
Continuo o meu caminho.

terça-feira, maio 04, 2010

Enquanto quisermos...

Suavizamos curvas, destrancamos portas, afastamos cortinas e instalamo-nos. Acima de tudo, simplificamos. Atropelamo-nos em rascunhos traduzidos em química inesperada. Comparamos cores antagónicas e queremos arrebatar a vivência do outro. Continuaremos a achar que o conforto está do nosso lado enquanto alheados do tal protocolo que teima em ser diariamente gritado por representantes de uma hoste cuja cartilha assenta numa interpretação duvidosa do “Admirável Mundo Novo” de Huxley.